O Acordo de Paris e a Troika climática: inovação em tempos de adversidade

Uma Troika climática significa, no contexto em que foi criada, uma aliança ou um conjunto de três governos que compartilham uma meta ou universo comum. Ou seja, os governos dos Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil, países-sede das Conferências das Partes (COP) 28, 29 e 30, lançaram a iniciativa na conclusão da COP28, realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes, para conduzir os processos internacionais da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas e do seu Acordo de Paris, até 2025.

O objetivo da Troika é fortalecer a implementação do acordo obtido durante a rodada final da COP28 para redução do uso de combustíveis fósseis, buscando compromissos mais ambiciosos nas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (ou no inglês, Nationally Determined Contributions, NDCs), que devem ser apresentadas pelas 197 partes ou países que ratificaram o Acordo de Paris, em 2025, durante a COP30, para a implementação de metas mais robustas de redução de emissões advindas dos combustíveis fósseis.

Espera-se que o novo conjunto das NDCs componha um limite de emissões voltadas a manter o limite de 1,5 ºC de aquecimento médio global até 2100, a chamada Missão 1,5 ºC.  Esta atualização é considerada por muitos analistas do Acordo de Paris como a última janela de oportunidade para resguardar este limite no século 21.

Os países parte da Troika afirmaram, em um encontro recente em Copenhagen, que as próximas duas Conferências, a COP29 e a COP30, devem ser uma ferramenta crítica para corrigir o rumo das ações globais para conter o processo de emissões de GEE, ainda insuficiente e pouco ambicioso em termos de reduções efetivas dos GEE.

Apesar de representar uma iniciativa paradoxal para os países que propuseram a Troika, certamente é inédita no ambiente da Convenção-Quadro. São nações produtoras e exportadoras de combustíveis fósseis, mas que sinalizam a necessária adoção de um período de transição para a economia de baixo carbono, ambicionando criar propulsão para um desenvolvimento resiliente às mudanças climáticas, e para a implementação acelerada de energias renováveis.

Duas palavras-chave resultam dos processos de negociação do Acordo de Paris: mitigação e adaptação.

A mitigação das emissões dos GEE, ou redução das emissões, seguido de transição para as energias renováveis deve ser profunda, rápida e implacável.

A urgência por adaptação dos estados subnacionais e países para os eventos extremos será custosa e precisa ser encarada pelos governos como uma ação emergencial e urgente. Os milhares de gaúchos dos 447 municípios que foram profundamente afetados pelas tempestades severas que atingiram o Rio Grande do Sul, no final de abril e em maio de 2024, bem sabem disso. Esse conjunto de cidades equivale a aproximadamente 90% das 497 cidades do estado, inclusive a capital Porto Alegre. Além de enfrentar a dificuldade de acesso à água limpa, doenças e desmoronamento de barragens, perda de negócios e safras, entre outros, terão que superar os impactos financeiros devido às perdas materiais ocorridas, isso sem mencionar as irreparáveis vidas que se foram.

Certamente não é a primeira vez que um estado brasileiro sofre com intempéries severas, mas não se pode deixar de lado que temos sido alertados pelas entidades científicas internacionais, em especial pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (no inglês, Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC), que reúne milhares de pesquisadores nesta agenda, a respeito da severidade e dos riscos das mudanças climáticas globais.

Há décadas, o IPCC adverte os governos e os cientistas de que os processos acelerados de aquecimento antrópico do planeta impactam a atmosfera e acrescentam aos eventos já conhecidos, uma intensidade por vezes ainda não vista.  Além dos esforços e recursos para combater os impactos dos fenômenos climáticos extremos, implantar redes de monitoramento e ampliar a capacidade de atendimento às populações atingidas, também precisam ser mantidos os esforços de combater o negacionismo, para impedir que essas manifestações possam desmobilizar esforços de organização subnacional, nacional ou internacional para ampliar a capacidade institucional de lidar com estes desafios. Como já foi observado, os gaúchos entendem facilmente o que está sendo dito.

Enquanto os países que, como o Brasil, se esforçam para progredir na agenda da adaptação, tem prosseguimento o processo de organização da COP29 no longínquo Azerbaijão, que terá como objetivo central alavancar o financiamento climático, essencial para os países mais vulneráveis enfrentarem as mudanças climáticas, e incluir novas metas que os países desenvolvidos acelerem a sua transição energética.  A presidência da próxima COP conta com a recém-lançada Troika para fortalecer a construção de pontes entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.

A evolução da agenda de financiamento climático, que tanto depende de pontes entre as partes do Acordo de Paris, poderá fortalecer o resultado das negociações climáticas, reconectar as aspirações divergentes entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento e preparar um contexto mais favorável para a COP30 a ser realizada em Belém, alinhado à Missão 1,5 ºC, tornando possível concretizar os resultados obtidos com as árduas negociações internacionais que se iniciaram antes de 1992.

O cenário a respeito deste tema mudou profundamente. Não temos mais os prognósticos sombrios e distantes da década de 90, com possibilidades distantes de impactos das mudanças climáticas, para o século 21. Hoje temos uma realidade a ser enfrentada, que chegou muito antes do que se esperava.

Faz-se necessário, em poucos anos, transformar os consensos das COPs em políticas públicas nacionais efetivas.  As novas NDCs sob a égide da Troika deverão abranger toda a complexidade das economias nacionais, e todos os GEE, inclusive o metano, cujo controle é estratégico para o Brasil.

O desafio para internalizar a rota proposta pela Troika nas próprias políticas nacionais dos seus países proponentes é imenso. Todos os três países são produtores de energia fóssil, são economias em expansão e cada um, a seu modo, terá dificuldades descomunais para cumprir metas audaciosas de curto prazo previstas no Acordo de Paris.

Para os Emirados Árabes e o Azerbaijão, com economias predominantemente estruturadas nos fartos recursos vindos da extração do petróleo, qualquer passo rumo à descarbonização será um esforço custoso e quase intransponível.

Para o Brasil, que detém no seu território uma parcela expressiva das florestas tropicais ainda existentes no planeta, além de áreas como o pantanal e o cerrado, com vastos sumidouros naturais de carbono, rica biodiversidade e todo esse complexo sob risco, o cenário é preocupante.

Com a realização da COP30 em Belém, o foco internacional se voltará naturalmente para o Brasil, assim como aconteceu com os países que nos antecederam como sede de COPs. Essa experiência já foi vivenciada pelo governo brasileiro, quando sediou duas Conferências das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1992 e 2012, que aconteceram no Rio de Janeiro.

A estratégia nacional de sediar a COP30 com um mercado de carbono regulado, inspirado pelo Emission Trade System (ETS) ou comércio de emissões europeu, certamente é um plano auspicioso. O projeto de lei que aprovará este novo mercado de carbono está passando por um intenso processo de avaliação legislativo. Se for acompanhado por políticas consistentes de redução de desmatamento e ações efetivas para cumprimento da NDC brasileira no Acordo de Paris, é certamente o cenário esperado para o Brasil.

A COP30 também poderá ser muito relevante para a região amazônica. Os recursos e o tempo que as instituições nacionais dispõem para preservar os ecossistemas amazônicos são muito escassos; a conjuntura atual, com uma longuíssima greve do IBAMA e suas implicações, entre elas a redução dramática de fiscalização nas regiões florestais mais vulneráveis do globo, por certo não contribui para que o país possa cumprir sua lição de casa até 2025, com a continuidade das ações para a preservação dos ecossistemas brasileiros. O motivo pelo qual o IBAMA não está recebendo o apoio institucional que necessita é uma pergunta que merece resposta.

Belém será o epicentro global desta agenda em 2025 e estará no foco internacional até lá.  A cidade ou a região amazônica poderá receber um contingente de milhares de pessoas, ávidas para participar dos processos internacionais de negociação para as próximas etapas do Acordo de Paris, dos eventos paralelos, encontros técnicos e lançamento de publicações, entre outras possibilidades. Esse contingente, vindo de todas as partes do planeta, inclusive do Brasil, será também composto pela presença massiva da imprensa internacional especializada na temática climática.

As COPs têm sido eventos com dimensões globais e a COP30 não destoará dessa trajetória. Para enfrentar os desafios como país-sede de uma emblemática COP, o Brasil conta com um impressionante corpo diplomático.

A diplomacia brasileira é de fato um capítulo à parte, que merece menção, pois o preparo da nossa diplomacia nesta agenda está pelo menos duas décadas à frente de grande parte das instituições subnacionais e nacionais. Na equipe do Itamaraty se encontra a expertise necessária para o Brasil receber um evento desta envergadura.

Temos um corpo diplomático experiente, que desperta admiração nos demais países.

Quase duas décadas acompanhando os processos negociatórios na Convenção do Clima como observadora me embasam para uma tranquila afirmação: o país dispõe de uma das melhores equipes internacionais preparadas para conduzir um processo tão complexo como o proposto pela Troika climática, que culminará com a COP30. O Itamaraty foi parte da proposição inovativa de somar experiências em de três governos, assimétricos cultural e economicamente, para um objetivo de envergadura internacional em comum.

Com a devida autonomia para os nossos especialistas internacionais conduzirem as ações para a preparação da COP30, juntamente com os governos estadual e nacional e com o Secretariado da Convenção do Clima, teremos sucesso como país-sede e nos somaremos às nações que presidiram COPs que impulsionaram o Acordo de Paris em direção a um cenário mais esperançoso para após 2030.

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