Prof. Dr. Nelson Luiz Rodrigues Nucci

Esta edição da Revista Saneas inaugura uma nova seção para homenagear profissionais do saneamento que contribuíram e contribuem para o aperfeiçoamento do setor e, consequentemente, a universalização dos serviços.
Foto-Dr.-Nelson-Nucci

E nosso primeiro entrevistado especial é o Prof. Dr. Nelson Luiz Rodrigues Nucci. Desde os anos 1960, o engenheiro civil dedica-se ao setor, da área acadêmica ao mercado de trabalho. Passou por instituições como Sanesp, Sabesp, Emplasa e Banco Mundial, entre outras. 

Conversamos com o profissional sobre diversos aspectos do setor de saneamento, como o novo Marco Legal, os desafios enfrentados durante e pós-pandemia de covid-19, escassez de recursos hídricos e economia circular no saneamento. 

Sobre os desafios que as próximas gerações terão no saneamento, Nucci ressalta: “Os desafios estão gritantes e escandalosamente magoantes: desigualdade social, pobreza, educação e saneamento e saúde precários entre os que podem ser constatados em qualquer estatística pública honesta. O melhor antídoto a nível pessoal é a generosidade; a nível público é a convivência aberta e democrática”, enfatiza.

Confira a entrevista completa:

Revista Saneas – Em junho deste ano, completa 1 ano da sanção do novo Marco Legal do Saneamento Básico, que trouxe mudanças para o setor. Na sua opinião, foi possível neste período perceber alterações no fornecimento dos serviços? Quais?

Revista Saneas - Em junho deste ano, completa 1 ano da sanção do novo Marco Legal do Saneamento Básico, que trouxe mudanças para o setor. Na sua opinião, foi possível neste período perceber alterações no fornecimento dos serviços? Quais?

Dr. Nucci – Tendo acompanhado as consequências do novo marco exclusivamente através dos meios de comunicação correntes (a quarentena tem impedido a troca presencial de opiniões com colegas mais bem informados), mesmo assim, minha impressão é de que poucos foram os avanços efetivos conseguidos até agora. Limitaram-se, quase exclusivamente, a medidas administrativo-legais iniciais do processo seletivo de novos ofertantes de serviços. É uma pena. Há, a meu ver, espaço para ampliação da oferta de serviços com a participação simultânea e não predatória do quadro atual de oferta predominantemente pública. Infelizmente parece haver também o entendimento político equivocado de parte dos interessados de que esse novo quadro de oferta possa implantar-se atropelando experiências públicas bem-sucedidas e, por outro lado, de uma outra parte formada por aqueles que querem assegurar privilégios não justificados pelo desempenho histórico insuficiente dos serviços que lhes estão hoje concedidos. Espero que o diálogo democrático e republicano vença os interesses mesquinhos e afaste de vez o risco de vermos se perder mais uma tentativa de melhorar as condições de saneamento no país.

Revista Saneas – A atual crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19 trouxe mudanças permanentes para setor de saneamento? Quais?

Dr. Nucci – Infelizmente a enxurrada de sandices previamente urdidas e detalhadamente pré-programadas e veiculadas sobre a pandemia por quem deveria iluminar os caminhos de seu enfrentamento tem açambarcado os meios de comunicação. As poucas manifestações lembrando o papel que o saneamento ampliado poderia estar cumprindo já hoje no enfrentamento da crise ficam praticamente submersas e invisíveis, apesar de algumas tentativas de lembrá-lo vez ou outra presentes.

Revista Saneas – Quais os novos desafios que o setor de saneamento terá de encarar no período pós-pandemia?

Dr. Nucci – Superar interesses mesquinhos conflitantes entre si e conflitantes com o interesse maior da sociedade. As exigências para que isso ocorra não são triviais e nem têm sido frequentemente presentes. As dores e o sofrimento causados pela pandemia talvez ajudem a sociedade e as suas lideranças a lutarem pela causa fundamental de interesse público de reconhecer e ter o saneamento como essencial à saúde.

Revista Saneas – Como os profissionais do setor de saneamento devem se preparar para o enfrentamento de possíveis outras crises?

Dr. Nucci – Com dedicação redobrada às suas tarefas diárias, como sempre. Com crescente compreensão do papel que lhes cabe, como cidadãos, na ampliação da oferta de saneamento no formato que mais rápida e eficientemente atenda às demandas de sua universalização. Lutar democraticamente para que os interesses menores não se sobreponham aos maiores na busca deste objetivo. 

Revista Saneas – O Brasil detém, em média, 12% da água doce mundial, mas enfrenta desafios no que se refere à disponibilidade do recurso, devido à discrepância geográfica e populacional da água no país. Por isso, alguns estados brasileiros ainda sofrem com a escassez dos recursos hídricos, ao menos em parte. A longo prazo, quais os caminhos que o país deve percorrer para solucionar este problema?

Dr. Nucci – O uso racional e o combate às perdas e desperdícios há muito propalados como medidas essenciais – mas infelizmente ainda insuficientemente praticadas entre nós – continuam fundamentais. Mas, a meu ver, onde mais precisamos nos aprimorar é na capacidade de gestão eficiente do uso dos recursos hídricos. E isto não deve surpreender-nos, pois isto se deve à dificuldade na harmonização de interesses conflitantes que nossa púbere e combalida democracia ainda não nos ensinou o suficiente a como proceder. O que é preciso? Insistir na prática democrática em todas as instâncias, inclusive e em particular na de gestão dos recursos hídricos. Com isto, muito possivelmente, colegas mais novos e mais preparados se frustrarão menos quando forem chamados a participar de foros em que se decide a gestão de recursos hídricos. Que este augúrio se realize particularmente entre os colegas do saneamento, com certeza os que até hoje são os menos vividos nestas discussões, comparativamente a colegas de outros setores como o energético, é o que espero.  

Revista Saneas – Nos últimos tempos, muito tem sido debatido sobre a Economia Circular no Saneamento. O senhor acha que é um caminho a ser percorrido, tendo em vista que a água é um recurso finito?

Dr. Nucci – Sim, com certeza. Começando por entendê-la bem e a evitar transformá-la apenas em um jargão da moda, a encobrir as deficiências mais comezinhas que ainda nos falta compreender e enfrentar.

Revista Saneas – Como os modelos de simulação, popularizados como um dos modelos matemáticos, podem ser utilizados no Saneamento para o enfrentamento de desafios, tais como as condições de qualidade da água?

Dr. Nucci – Sua utilização tornou-se um enorme ganho e uma prática essencial e indispensável a partir do momento que o computador digital nos ofereceu a possibilidade de cálculos em quantidade jamais antes pensada, a salvo de simplificações inclusive conceituais e descritivas dos processos vividos na realidade. Hoje, então, em tempos de I.oT., Inteligência Artificial etc., a modelagem digital desses processos é o primeiro degrau da indispensável interligação que se espera entre os vários instrumentos da nova realidade da informática.  

Revista Saneas – Para terminar, quais os desafios e quais as vantagens que a próxima geração terá no que se refere ao gerenciamento do setor de saneamento?

Dr. Nucci – Os desafios estão aí, gritantes e escandalosamente magoantes: desigualdade social, pobreza, educação, saneamento e saúde precários, entre os que podem ser constatados em qualquer estatística pública honesta; tendência ao enclausuramento entre iguais e igualmente deformados por ele, impedidor que se torna do diálogo e da aceitação da divergência, é o mais grave e de difícil percepção no nível de cada indivíduo. Para ambos o melhor antídoto a nível pessoal é a generosidade; a nível público é a convivência aberta e democrática. 

Raio X

Nelson Luiz Rodrigues Nucci é formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), com doutorado em Engenharia Hidráulica e Sanitária na mesma instituição. Ainda na EPUSP, Nelson Nucci lecionou no então Departamento de Engenharia Hidráulica, atual Engenharia Hidráulica e Ambiental, as disciplinas de graduação Mecânica dos Fluidos, Saneamento I e II e Introdução à Engenharia Ambiental e as disciplinas de pós graduação, Planejamento de Sistemas de Saneamento e Planejamento de Sistemas de Recursos Hídricos.

É membro da ABES – Associação de Engenharia Sanitária e Ambiental, tendo sido seu presidente nacional entre 1987 e 1989 e presidente da Seção São Paulo entre 1983 e 1987. Faz parte da AWWA – American Water Works Association desde 1987. Também foi membro das associações, AIDIS – Associacion Interamericana de Ingenieria Sanitaria I Ambiental, ABRH – Associação Brasileira de Hidrologia e Recursos Hídricos e IWSA – International Water Supply Association, na qual integrou o seu Conselho Técnico/Científico.

Dr. Nucci ocupou cargos importantes ao longo dos anos, contribuindo para o setor de saneamento no Estado de São Paulo e também a nível nacional. De 1971 a 1972, ele ocupou o cargo de consultor da Sanesp – Companhia Metropolitana de Saneamento de São Paulo, responsável por executar e operar o sistema de afastamento, tratamento e distribuição final dos esgotos da Grande São Paulo na época.

Após uma fusão da Sanesp com outras empresas de saneamento, surgiu a Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, em 1973. E Nelson Nucci ocupou vários cargos na companhia, ainda nos anos 70: superintendente de Planejamento de Esgotos para a Região I; superintendente de Planejamento Técnico; e chefe de Departamento. Nosso entrevistado especial também foi superintendente técnico da Emplasa – Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A., para as áreas de Saneamento e Recursos Hídricos.

Nos anos 1980, Nucci retorna à Sabesp como diretor de Planejamento e membro do Conselho de Política Metropolitana da Região Metropolitana de São Paulo – Secretaria de Estados dos Negócios Metropolitanos e membro do Conselho de Desenvolvimento do “PLANEL”, Plano de Desenvolvimento do Litoral Paulista, SUDELPA, Secretaria de Estado dos Negócios do Interior.

Nos anos 1990, foi consultor do Banco Mundial para o PMSS – Projeto de Modernização do Setor de Saneamento do MPO/SEPURB – Ministério do Planejamento e Orçamento. E, desde abril de 2017 é membro do Conselho de Administração da EMAE – Empresa Metropolitana de Água e Energia S/A.

Suas contribuições na área acadêmica também são grandes. Ao longo dos anos, foram diversos artigos para revistas e reuniões e congresso do setor, livros e notas de aula. Dr. Nucci escreveu o capítulo 20 do livro “Ciclo Ambiental da Água – da chuva à gestão” Telles, D.A. Org., Blücher Editora. O título do capítulo é “Gestão de serviços de água e esgotos”.

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